15/10/2016

Laginha & Sassetti: Dois pianos irmãos em concerto no CCB

CULTURA
SÁBADO, 22 JUN 2002

Laginha & Sassetti
Dois pianos irmãos em concerto no CCB

HOJE, ÀS 21H30, NO GRANDE AUDITÓRIO

Bernardo Sassetti e Mário Laginha encontram-se num espaço comum de diálogo e desafio. Hoje, no CCB, reatam uma conversa a dois pianos e quatro mãos

Há um reportório comum, em permanente evolução, e a descoberta mútua do que os separa, mas, mais importante, do que os une. Mário Laginha e Bernardo Sassetti, dois dos mais reputados pianistas da nova geração, tecem teclas, ideias e sensibilidades, através de uma relação que não cessa de dar frutos. Encontraram-se lado a lado, ou frente a frente, pela primeira vez, no "Jazz em Agosto" de há três anos. "Percebemos que funcionávamos bem musicalmente, o que nos levou a pensar em continuar, mas como tínhamos agendas sobrecarregadas, a coisa ao princípio funcionou esporadicamente", diz Laginha, autor, entre outros, do álbum "Hoje" e, nos últimos anos, ocupado com o seu trabalho em duo com a cantora Maria João.
                "As músicas que tínhamos composto para tocar em duo foram crescendo, fomos desenvolvendo um espaço comum em várias direções, incluindo a improvisação, o que torna cada concerto mais estimulante do que o anterior", acrescenta Sassetti, músico de múltiplas músicas, autor de "Salssetti" e de "Mundos" e, mais recentemente, responsável por uma parte da banda sonora do filme "O Talentoso Mr. Ripley", de Anthony Minghella.
                Ganha-se e perde-se neste mano-a-mano. Mais o que se ganha do que o que se deixa. Para Laginha, "a diferença é o mais estimulante", dentro de um campo de afinidades delimitado pelo jazz: "O que nos une é não sermos fundamentalistas". O estilo tanto pode aproximar como afastar. Acima do estilo, da forma, porém, ergue-se a sensibilidade musical, a capacidade anímica em ouvir com o coração, mais ou menos nitidamente, o fluxo sonoro do universo, e de saber canalizar (e provar) essa corrente para a fonte pessoal de cada um. Aí, a comunhão pode ser de uma profundidade decisiva ou, na pior das hipóteses, não ser possível de todo.
                "Esse é que é o problema", confirma Sassetti, "sobretudo quando se trata de dois instrumentos iguais". "Foi num concerto da Gulbenkian que me apercebi de que, apesar de termos dois estilos diferentes, encaixávamos. A musicalidade tem que encaixar". Os dois pianistas encaixam através do "ritmo, do tempo e, naturalmente, nas perguntas e respostas, na maneira como nos desafiamos". Um diálogo que, segundo Laginha, tanto "pode ser na mesma direção, como ter cada um de nós a puxar para um ou para outro lado".

Provocação, humor e desafio
Desafio mas também humor. Surpresa. Conjugação e partilha de experiências. "O humor manifesta-se na interpretação, no meio de um tema escrito, por exemplo, podemos introduzir brincadeiras rítmicas, é uma provocação para o outro responder", lança Laginha. "Que tem que ter resposta imediata", riposta Sassetti, amparando o "golpe".
                Tanto um como outro falam do seu projeto da mesma forma que o põem em prática nas teclas do piano, num jogo de parada e resposta que procura novas equações e novas soluções para os problemas, charadas e mistérios com que se vão deparando. Laginha: "Há pouco estávamos a ensaiar a 'Fuga', que tem muito contraponto, se ele de repente muda o ritmo de uma frase, tenho que responder em tempo real à 'provocação', também de maneira diferente da que estava escrita. É algo com muita graça".
                Entre os temas que servirão de base ao que não está anunciado acontecer mas se espera que aconteça, contam-se "A menina e o piano", "Señor Cascara", "Take the A Train", de Duke Ellington, "Fuga", "Renascer", "O chão da terra" e dois novos, "ainda sem título".
                Funcionam a intuição, o gozo e a ciência, como ferramentas principais de comunicação.
Encontram-se todos no jazz e nos "deuses" que cada um venerou no respetivo percurso de aprendizagem e descoberta do piano no jazz. Laginha começou com Keith Jarrett, o seu "guru, durante muitos anos", seguindo pelos teclados de Bill Evans, Bud Powell, Herbie Hancock, Chick Corea...
                Sassetti é uma enciclopédia viva: "Comecei a entusiasmar-me pela música por causa do Bill Evans. Depois ouvi todos. Todos. Todos mesmo. Thelonious Monk... houve uma altura na minha adolescência em que sabia os temas todos do Monk. Também gostava muito do Kenny Kirkland... E, claro, Hancock, Corea, Jarrett...".
                Fica-se cheio de referências, de notas já tocadas, de caminhos já trilhados. Como caminhar então em liberdade? É Sassetti quem responde: "Pois... a partir de uma certa altura, a aprendizagem do jazz é como imaginarmos um saco em que vamos pondo as influências todas lá para dentro. Até que a certa altura começamos a criar a nossa própria linguagem. O que acontece no jazz é que cada um, nomeadamente os pianistas, tem o seu 'touch'. Tanto eu como o Mário temos um 'touch' próprio. O nosso universo vem de dentro de nós, é inteiramente natural".
                "Touch" é "toque" mas também "touching" – tocante, comovente. Como a música gémea do amor de Mário Laginha e Bernardo Sassetti.

Bernardo Sassetti e Mário Laginha
LISBOA Grande Auditório do Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612400. Às 21h30. Bilhetes entre 5 e 17,50 euros.

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