CULTURA
SÁBADO, 22 JUN 2002
Laginha & Sassetti
Dois pianos irmãos em concerto no CCB
HOJE, ÀS 21H30, NO
GRANDE AUDITÓRIO
Bernardo Sassetti
e Mário Laginha encontram-se num espaço comum de diálogo e desafio. Hoje, no
CCB, reatam uma conversa a dois pianos e quatro mãos
Há um reportório comum, em permanente evolução, e a descoberta
mútua do que os separa, mas, mais importante, do que os une. Mário Laginha e
Bernardo Sassetti, dois dos mais reputados pianistas da nova geração, tecem
teclas, ideias e sensibilidades, através de uma relação que não cessa de dar
frutos. Encontraram-se lado a lado, ou frente a frente, pela primeira vez, no
"Jazz em Agosto" de há três anos. "Percebemos que funcionávamos
bem musicalmente, o que nos levou a pensar em continuar, mas como tínhamos
agendas sobrecarregadas, a coisa ao princípio funcionou esporadicamente",
diz Laginha, autor, entre outros, do álbum "Hoje" e, nos últimos
anos, ocupado com o seu trabalho em duo com a cantora Maria João.
"As
músicas que tínhamos composto para tocar em duo foram crescendo, fomos
desenvolvendo um espaço comum em várias direções, incluindo a improvisação, o
que torna cada concerto mais estimulante do que o anterior", acrescenta
Sassetti, músico de múltiplas músicas, autor de "Salssetti" e de
"Mundos" e, mais recentemente, responsável por uma parte da banda
sonora do filme "O Talentoso Mr. Ripley", de Anthony Minghella.
Ganha-se e
perde-se neste mano-a-mano. Mais o que se ganha do que o que se deixa. Para
Laginha, "a diferença é o mais estimulante", dentro de um campo de
afinidades delimitado pelo jazz: "O que nos une é não sermos
fundamentalistas". O estilo tanto pode aproximar como afastar. Acima do
estilo, da forma, porém, ergue-se a sensibilidade musical, a capacidade anímica
em ouvir com o coração, mais ou menos nitidamente, o fluxo sonoro do universo,
e de saber canalizar (e provar) essa corrente para a fonte pessoal de cada um.
Aí, a comunhão pode ser de uma profundidade decisiva ou, na pior das hipóteses,
não ser possível de todo.
"Esse
é que é o problema", confirma Sassetti, "sobretudo quando se trata de
dois instrumentos iguais". "Foi num concerto da Gulbenkian que me
apercebi de que, apesar de termos dois estilos diferentes, encaixávamos. A musicalidade
tem que encaixar". Os dois pianistas encaixam através do "ritmo, do
tempo e, naturalmente, nas perguntas e respostas, na maneira como nos
desafiamos". Um diálogo que, segundo Laginha, tanto "pode ser na
mesma direção, como ter cada um de nós a puxar para um ou para outro
lado".
Provocação, humor
e desafio
Desafio mas também humor. Surpresa. Conjugação e partilha de
experiências. "O humor manifesta-se na interpretação, no meio de um tema
escrito, por exemplo, podemos introduzir brincadeiras rítmicas, é uma
provocação para o outro responder", lança Laginha. "Que tem que ter
resposta imediata", riposta Sassetti, amparando o "golpe".
Tanto um
como outro falam do seu projeto da mesma forma que o põem em prática nas teclas
do piano, num jogo de parada e resposta que procura novas equações e novas
soluções para os problemas, charadas e mistérios com que se vão deparando.
Laginha: "Há pouco estávamos a ensaiar a 'Fuga', que tem muito
contraponto, se ele de repente muda o ritmo de uma frase, tenho que responder
em tempo real à 'provocação', também de maneira diferente da que estava
escrita. É algo com muita graça".
Entre os
temas que servirão de base ao que não está anunciado acontecer mas se espera
que aconteça, contam-se "A menina e o piano", "Señor
Cascara", "Take the A Train", de Duke Ellington,
"Fuga", "Renascer", "O chão da terra" e dois
novos, "ainda sem título".
Funcionam a
intuição, o gozo e a ciência, como ferramentas principais de comunicação.
Encontram-se todos no jazz e nos "deuses" que cada um
venerou no respetivo percurso de aprendizagem e descoberta do piano no jazz.
Laginha começou com Keith Jarrett, o seu "guru, durante muitos anos",
seguindo pelos teclados de Bill Evans, Bud Powell, Herbie Hancock, Chick
Corea...
Sassetti é
uma enciclopédia viva: "Comecei a entusiasmar-me pela música por causa do
Bill Evans. Depois ouvi todos. Todos. Todos mesmo. Thelonious Monk... houve uma
altura na minha adolescência em que sabia os temas todos do Monk. Também
gostava muito do Kenny Kirkland... E, claro, Hancock, Corea, Jarrett...".
Fica-se
cheio de referências, de notas já tocadas, de caminhos já trilhados. Como
caminhar então em liberdade? É Sassetti quem responde: "Pois... a partir
de uma certa altura, a aprendizagem do jazz é como imaginarmos um saco em que
vamos pondo as influências todas lá para dentro. Até que a certa altura
começamos a criar a nossa própria linguagem. O que acontece no jazz é que cada
um, nomeadamente os pianistas, tem o seu 'touch'. Tanto eu como o Mário temos
um 'touch' próprio. O nosso universo vem de dentro de nós, é inteiramente
natural".
"Touch"
é "toque" mas também "touching" – tocante, comovente. Como
a música gémea do amor de Mário Laginha e Bernardo Sassetti.
Bernardo
Sassetti e Mário Laginha
LISBOA Grande Auditório do Centro Cultural de Belém.
Tel.: 213612400. Às 21h30. Bilhetes entre 5 e 17,50 euros.
Sem comentários:
Enviar um comentário