CULTURA
SEGUNDA-FEIRA,
22 ABRIL 2002
Supertramp encheram as medidas ao
Atlântico
CONCERTO DUPLO DOS SUPERTRAMP EM
LISBOA
O Pavilhão Atlântico, em Lisboa, esgotou-se para ouvir
os Supertramp. Delírio com as canções antigas. Mas houve quem saísse só para
não ouvir as do novo álbum, “Slow Motion”
Impressionante como os Supertramp conseguiram neste sábado fazer
rebentar pelas costuras o desmesurado Pavilhão Atlântico, no Parque das Nações.
Impressionante como os Supertramp utilizaram exatamente os mesmos vídeos que
tinham trazido na sua primeira apresentação ao vivo em Portugal, há 22 anos, em
Cascais. Impressionante a diversidade etária e social do público presente. Impressionante
a festa. Impressionante a gritaria. Impressionante tudo. Impressionante.
Em
conformidade, e numa análise ao que musicalmente se passou no primeiro dos dois
concertos consecutivos da banda britânica no Pavilhão Atlântico, em Lisboa, vamos
resistir à tentação do trocadilho fácil que consiste em acrescentar um “A” ao
nome da banda. Além disso não iremos desrespeitar a memória de todos quantos em
1974 coraram de prazer e excitação a ouvir em casa os sons lancinantes de
“Crime of the Century” e este fim-de-semana, como se nada se tivesse passado
entretanto, lá estiveram para repetir a dose. Nem iremos quebrar a magia dos
isqueiros acesos. Longe de nós tal ideia. Assim, preferimos juntar-nos à mole
humana e gritar com não menos entusiasmo: “Impressionaaaaaaante!”.
Só a música é
que esteve uns furos abaixo da euforia reinante. Digamos, uns 450 furos abaixo.
Gente de todo o lado
Seja como for, o cenário estava montado para receber
condignamente a banda que nos anos 70 gravou “Crime of the Century”, “Crisis?
What Crisis?”, “Even in the Quietest Moments” e “Breakfast in America”. Gente
de todas as idades e estratos sociais, irmanados no mesmo sonho lindo, ansiando
por cantarolar canções como “School”, “Give a little bit” ou “Logical Song”:
VIP e yuppies, hippies e pimbas, trintões e quarentões, trintonas e
quarentonas, adolescentes e crianças levados pela mão dos pais. Toda a gente e nós
também.
Nesta noite
épica, cantaram-se cânticos futebolísticos, bateu-se com os pés no chão fazendo
estremecer a sólida estrutura do Multiusos, acompanharam-se as letras das
canções mais conhecidas em coro, acenderam-se isqueiros, brilharam os olhos. Um
espetáculo quase aterrador, na sua dimensão sociológica e telúrica.
Quanto à
música... Bem, a música... Digamos que os Supertramp, na sua já longa
existência de 32 anos de oscilação entre o rock sinfónico e a pop, nunca foram
carne nem peixe, pelo que talvez devam ser catalogados na categoria dos
vegetais. Os quais, quando não consumidos em excesso, até constituem uma ementa saudável.
No sábado,
teve-se direito a uma ementa de mais de duas horas mas a digestão não parece
ter sido difícil para ninguém. Os Supertramp tocaram as canções que toda a gente queria que tocassem, intercaladas por aquelas do novo álbum,
“Slow Motion”, que ninguém estava interessada em ouvir. Os clássicos, como “The
Logical Song” ou “Give a little bit”, foram “traídos” por um Rick Davies cuja voz
visivelmente já não consegue chegar aos agudos e falseto dos “bons velhos
tempos”, substituídos por um curioso registo de fantoche. Rick também
demonstrou, com inteiro sucesso, que ao longo dos últimos 20 anos a sua técnica
pianística se manteve rigorosamente inalterável, sem evoluir um niquinho que
fosse. Entre a métrica ragtime e tiradas de pianomartelo, aventurou-se por
longos solos sem entrada nem saída que quase sempre terminavam com a entrada
explosiva da bateria.
John Helliwell,
nos saxofones, como já se percebera nos álbuns, provou ser de longe o melhor músico
do grupo. Sem ser nenhum Charlie Parker, é provido de swing, fraseado fácil e
um timbre caloroso que humaniza o tom prevalecente no espetáculo, de máquina a
trabalhar para alimentar a memória das massas. Facto curioso: não foi nas
canções conhecidas mas em algumas deambulações instrumentais do novo álbum, com
sabor funk, que uma réstia de vida assomou e quase levou a retirar o tal “A”
final acrescentado ao nome da banda. Mas mesmo nesses momentos de exceção, logo
essa “soul” insuspeita descambou na toada mais-do-agrado-de-todos da tecno- martelos
ou do “disco” a la Cerrone.
Os mesmos vídeos para
as mesmas canções
Foi, todavia, no longo encore que fez o concerto terminar já
muito perto da meia-noite, que os Supertramp deram a certeza absoluta de que o
tempo não passa e que a evolução e a mudança são palavras vãs, ao projetarem os
mesmos vídeos que já haviam utilizado em Cascais há 20 anos atrás. O mesmo
filme a preto e branco de uma linha férrea percorrida em velocidade acelerada e,
a terminar, em “Crime of the century”, o mesmo funil de estrelas, a simular uma
viagem pelo cosmos que finalmente dá a ver a grade onde está aprisionado o temível
“criminoso do século” que serve de capa ao álbum com o mesmo nome.
Fruto ou não do
acaso do alinhamento, os trágicos acontecimentos recentes ocorridos em Nova Iorque
conferiram a “Crime of the century” uma estranha ressonância, dando inclusive a
ideia de que os músicos estariam a sentir na pela uma dimensão trágica de que,
pelas vias normais, andaram sempre arredados. Ou teria sido apenas um daquelas partidas que nos prega a imaginação...
O que ficou
registado foi o delírio e a satisfação plena da multidão. 15 mil no sábado mais
15 mil ontem faz 30 mil. Caramba, 30 mil têm que ter razão. Ou não?
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